O que é esse transtorno? Como podemos entendê-lo? Quais são nossas possibilidades de manejo clínico? São essas as perguntas que quero levantar para serem conversadas aqui.
Opa, opa, esse tópico me interessa bastante haha
Não consigo no momento, mas vou tentar nos próximos dias colocar aqui alguns pontos que acho que acho que podem ser coerentes com uma leitura da psimhd.
Então, acho que antes de tudo valeria duas considerações:
1) o que é um transtorno de personalidade? Essa categoria faz sentido dentro de uma compreensão materialista dialética?
2) Qual a nossa noção de personalidade, quais são seus elementos, estruturas, propriedades, etc.?
Sem muita justificativa, eu diria que sim, a classificação de transtorno da personalidade faz sentido dentro da nossa compreensão (ou ao menos a noção de perturbação da personalidade, tal como, por exemplo, Zeigarnik trouxe); e sobre a conceituação de personalidade, eu me baseio na noção que o Rubinstein vai expor na última seção do Princípios de Psicologia Geral e que está resumida em um texto dele de 1957 intitulado Questões Teóricas da Psicologia e o Problema da Personalidade.
Assim, a personalidade seria composta por quatro elementos: 1) a orientação da personalidade, suas tendências e atitudes; 2) as capacidades, aptidões e habilidades; 3) o temperamento e o caráter; 4) o grau de autoconsciência.
Também gosto da noção do Miasischev da personalidade como um sistema de relações, sendo a relação mais fundamental a do sujeito consigo mesmo.
Com isso em mente, e pensando nas características típicas de pessoas diagnosticadas com TPB, eu acho que tanto a noção de Rubinstein quanto a de Miasischev trazem algumas bases interessantes, por exemplo:
1) a orientação da personalidade é determinada pelo conjunto de necessidades, interesses e ideais. São esses componentes algo que encontramos manifestados de forma patológica em um quadro de TPB? Será que as necessidades desse indivíduo foram formados patologicamente?
2) Quais são as capacidades e habilidades desenvolvidas na resolução de conflito, na comunicação interpessoal, etc? Por mais que as necessidades e interesses sejam formados de forma mais ou menos coerente e saudável, como elas são operacionalizadas na história de vida do sujeito?
3) Como determinados traços de caráter foram se formando ao longo da trajetória de vida do sujeito? Quais são os motivos que se generalizaram e adquiriram status de "propriedade" da personalidade?
4) Miasischev afirma que no sistema de relações, é comum que uma relação apresente tensões e gere sofrimento, sem que isso gere um abalo sistêmico sobre a personalidade. Mas como no centro do sistema está a relação do sujeito consigo mesmo, uma relação perturbada e patológica para consigo mesmo afetaria o sistema como um todo, gerando conflitos e sofrimento em todas as relações do sujeito. Esse seria um princípio geral dos transtornos de personalidade? Vemos algo parecido acontecendo em casos de TPB?
Enfim, acho que esses são alguns elementos gerais sobre a conceituação da personalidade que nos dão pistas de como compreender o TPB. Outras leituras também podem ser importantes, como por exemplo os textos da Bozhovich sobre a formação da personalidade.
O Miasischev distingue entre aquele tipo de sofrimento e adoecimento psíquico produzido por um abalo afetivo em uma personalidade saudável; e o processo de formação de uma personalidade que já se dá de forma patológica. Em um caso, teríamos uma linha relativamente estável de desenvolvimento e que sofreria devido a uma série de eventos; já no outro, teríamos quase que uma "linha descendente", em que as próprias bases da construção da personalidade seriam formadas de modo fragilizado e parcial.
Eu entendo que esse segundo tipo de situação é mais característico dos transtornos de personalidade, então compreender as etapas germinais do desenvolvimento da personalidade, como o faz a Bozhovich, pode também nos dar pistas importantes sobre o caminho a se investigar.