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Os potenciais e limites da psicometria

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(@adonis)
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Entendo esse topico como de importancia para discussão baseado que, alem de ser uma tradição do mal chamado ocidente, na Psicologia, é ainda uma das poucas atribuições exclusivas de nossa profissão no Brasil (aplicação de testes psicológicos). Vou pegar o exemplo dos testes de QI, eles são, até onde sei bons para aferir deficiencia intelectual, mas são péssimos para prever "sucesso por QI superior", inclusive muita gente com QI dito superior passa por inumeros sofrimentos, basta vermos pessoas com perfil de Altas Habilidades e Superdotação. O que acham acerca do assunto?


   
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(@gabriel-cantuaria)
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Entrou: 2 meses atrás
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Quando eu penso em uma técnica psicológica, eu sempre olho para dois lados (e acho que deve ser assim para qualquer contribuição tecnológica da ciência): o contexto histórico de surgimento dessa tecnologia e o percurso histórico que ela levou.

É sabido que os testes psicométricos foram feitos para selecionar pessoas. A seleção de pessoas em exclusão de outras é uma estratégia capitalista. Nas primeiras décadas do século XX, os psicólogos soviéticos chegaram a conclusão de que os testes psicométricos da época não tinham base científica sólida e não serviam aos ideias políticos do povo soviético. Como consequência, podemos destacar algumas posições em neuropsicologia soviética que não davam prioridade aos testes psicométricos de caráter quantitativo.

Agora, como as coisas evoluíram? Depois da Segunda Guerra, há um boom em pesquisas em psicometria. Também é nas décadas seguintes que a psicologia adota, hegemonicamente, o uso de procedimentos estatísticos avançados em estatística inferencial. É dessa época, por exemplo, a revolução cognitiva. Mas voltando: mais pesquisas, maiores investimentos, mas sem muita mudança ideológica. A coisa começa a ficar mais interessante e mais próxima dos problemas atuais quando a psicometria passa a ser um recurso para garantia de direitos de maneira abrangente e, concomitantemente, passa a ser um recurso para orientação de tratamento de casos. Acho que esses configuram os problemas principais hoje em dia.

Peguemos o caso da psicoterapia. Para fazer um ensaio clínico, você raramente terá tempo de fazer uma avaliação psicológica completa que, como somos ensinados aqui no Brasil, pode durar 6, 8, sessões. É comum utilizar uma escala (como uma escala de depressão) e inserir as pessoas que pontuam a partir de X no estudo. A psicometria, nesse caso, salva tempo e recursos. Só que ela também aponta para uma outra coisa: em dado números de casos para dado transtorno mental, temos que o tratamento mais seguro e que ocupa o menor espaço de tempo e o menor número de recursos é tal. Nesse caso, a psicometria orienta a prática psicoterapêutica.

Agora, nos voltemos para a avaliação neuropsicológica, sobretudo, a avaliação de transtornos do neurodesenvolvimento. Nesses casos, a psicometria não é tão rápida e precisa quanto em outros clusters do DSM. É necessário o cruzamento de uma série de informações de características diferentes (quantitativas e qualitativas) e de fontes diferentes (pacientes, familiares, amigos, cônjuges, professores) que faz do processo de avaliação neuropsicológica mais "sinuoso" (não que a avaliação de outros transtornos não exija isso, mas os instrumentos para outros clusters são mais consolidados). Embora estejamos tentando há décadas encontrar ferramentas psicométricas que encurtem o caminho, como o tão sonhado instrumento para o diagnóstico do TEA, isso parece estar longe de acontecer. Não só está longe de acontecer, como existem pesquisas que demonstram que os procedimentos atuais podem levar ao <a href=" link removido (24)00165-2/fulltext" target="_blank" rel="noopener">erro diagnóstico de até 1/4 de uma amostra. Isso é muita coisa. É uma consequência grave para as políticas públicas. O diagnóstico de TEA, por exemplo, é necessário para o acesso a direitos fundamentais para essas pessoas. A psicometria, nesses casos, auxilia o raciocínio clínico do avaliador que irá dar o ponta pé inicial para acesso aos direitos e indicará o tipo de suporte necessário para o bem-estar da pessoa.

Bom, esses são dois aspectos. Acho que podemos dizer que a psicometria avançou desde sua concepção em termos científicos e políticos. Agora, ainda há muito problema. O QI não é medida suficiente para avaliação das altas habilidades link removido Mesmo em pesquisas clínicas, como no exemplo do TEA, os instrumentos utilizados parecem necessitar de uma mudança de perspectiva: passar da avaliação negativa (apresentar menos sintomas de TEA) para a positiva (melhoras no bem-estar). Embora essas mudanças não resultem em diferenças estruturais nos instrumentos psicométricos, elas podem ajudar a torná-los mais fidedignos aos fenômenos que eles buscam avaliar.

Agora, sobre a PHC e a psicometria. Mesmo que seja possível fazer psicometria qualitativa, os PHCers têm aversão a qualquer avaliação psicométrica em contextos clínicos ou educacionais, principalmente de caráter quantitativo. É comum ler sobre isso em contextos educacionais. Sabemos que, com cada vez mais frequência, os testes psicométricos de massa em escolas têm chegado à nossa realidade. O que costuma se argumentar? Duas coisas. Primeiro, que esses processos servem à lógica da medicalização. Segundo, que esses processos costumam ser a primeira hipótese nas queixas escolares, o que mascara processos mais complexos de opressão, exclusão, etc. Ontem, vi um post no instagram sobre medicalização e uma pessoa comentou: "não me assusta quem tem diagnóstico e não precisa, mas quem precisa e não está tomando medicação" (lembrando que medicação e medicalização são coisas distintas). Quer dizer, muitas vezes, na atuação do psicólogo na escola, quando há alguma queixa relacionada à aprendizagem, comportamento, desenvolvimento, há uma tendência de querer "eliminar" a hipótese de um diagnóstico. Como se elimina isso? Geralmente, fazendo uma avaliação de cunho psicométrico. A questão é: será que esse raciocínio está correto? Primeiro a gente considera um transtorno do neurodesenvolvimento, da personalidade, humor, e só depois a gente analisa a realidade concreta da criança? Então é bem complicado.

O que acho que podemos defender, dado que somos marxistas, psicólogos, cientistas, etc: a psicometria é um modo consolidado de avaliar o funcionamento psicológico dos seres humanos. Todavia, existe um recorte ideológico que dá um sentido medicalizante para essa prática. Na via contrária, os movimentos sociais aceitam essa prática como um dos processos necessários ao acesso a direitos, ao mesmo tempo que denunciam seus problemas. O que sobra é desenvolver processos complementares de avaliação e produzir os nossos próprios instrumentos, baseados em nossa teoria, de acordo com aquilo que consideramos ser relevantes para o funcionamento psicológico. A construção e uso desses instrumentos não pode ser a estratégia básica de avaliação da psicologia, mas deve ser um de seus momentos, de acordo com o ambiente em que o psicólogo está inserido. Não se trata de negar o uso desses instrumentos: a atitude científica é saber onde, quando, como e com quem utilizá-los. E, claro, com que fim. Agora, não acho que tenham muitos PHCers preocupados com isso. A maioria joga fora o bebê com a água do banho.

 


   
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(@adonis)
Membro Admin
Entrou: 2 meses atrás
Posts: 7
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@gabriel-cantuaria os apontamentos são interessantes, espero que consiga inserir os links sem nenhum bug posteriormente. Uma preocupação que tenho é a forma de construção dos instrumentos psicométricos, se realmente a base em que se sustentam (não há uma uniformidade mas nem acho que isso seja o problema) justificam sua aplicação da forma como se propõem. Exemplo: uma pessoa que sai de 10 para 20 ou 20 para 10 numa escala de depressão Beck melhorou / piorou o dobro? Há ao meu ver dificuldade de estabelecimento desses principios e de enxergar especificidades tipicas da Psicologia, além de aparentar uma cisão forçada de quantitativo / qualitativo. Não sou a favor de jogar o tudo fora, porém me surpreende o entusiasmo geral da psicologia corrente com essas medidas e ojeriza indiscriminada de quem reduz quantitativo a automaticamente positivismo, controle ideologico e afins.


   
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